POSTAIS DA ROTINA I

Se há hábito que lá em casa é sagrado ele dá pelo nome de pequeno-almoço. Creio até que seria muito mais correcto, dada a configuração que lhe damos diariamente, denominá-lo de bocejo-matinal-vitaminado. Diariamente, há gestos que repetimos, como um acenar a quem vai ao pão de bicicleta. Quase sempre o Pedro. Há quem ligue a telefonia e abra as janelas de par em par. Quase sempre eu. Há quem nunca se decida o que quer comer essa manhã,até ver o que os outros vão tomar, apesar de ser quase sempre a mesma ementa. Quase sempre o Salvador.
O nosso bocejo-matinal-vitaminado é na maior parte das vezes feito com pão fresco, espuma saborosa a café acabado de sair da pressão da máquina e sumo de laranjas colhidas no dia anterior, nas laranjeiras da avó Rosa. Nos dias em que a luz inunda a sala, as conversas fluem da noite para os sonhos, da agenda do dia para o senhor que anda a querer ser grande e que por isso quase verte o leite com cereais porque mal chega à mesa se não tem almofadas.
Quase sempre o nosso bocejo-matinal-vitaminado termina com uma corrida às mochilas e um desespero pelas chaves que nunca ninguém, lá em casa, deixa no mesmo sítio. São poucas as vezes em que não nos despedimos envoltos na alegria de um abraço a três.
As notícias que nos chegam recentemente de perdas de crianças e mortes inesperadas conduzem-me ao pensamento insuportável: imaginar um dia em que falte um par de braços neste abraço. A oração da manhã vai saindo nas entrelinhas destas rotinas que nos fazem olhar a nossa vida com imensa gratidão a cada amanhecer.

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