Crónicas da Sardenha | Delícias do mar

- Mamã?Mamã-ã...mamã.
Pela manhã é quase sempre esta a primeira chamada. Como de costume, respondo quase sempre à primeira.
- Sim....
Não diz mais nada além de mamã...até que eu eu lhe pareça no quarto. Eu sei exactamente a cara com que me vai abraçar. Este é o meu nascer do sol, o despertar cujo som tenho a certeza vai ressoar sempre, como já acontece quando ele não dorme em casa.
Nestes gestos, aqui feitos memória, residem a simplicidade dos momentos mais felizes dos últimos tempos. Minutos onde pais e filhos se admiram e conhecem.
Como deve ser transparente esta ligação umbilical (eu e o Pedro trocando toques subtis ou pontapés debaixo da mesa à procura de alertar o outro para o que está a acontecer) sempre que há novidade no instante.
E os sorrisos, como é possível sorrir desta maneira? tão genuíno, tão espontâneo. Só as crianças riem com o corpo todo. O sorriso do Salvador estampa-lhe na cara duas covas tão típicas que é fácil adivinhar quando o sorriso é maroto!
Gargalhámos imenso os três, estes dias que esticámos juntos. Fizemos do céu uma anedota e passámos momentos inteiros a rir. Abraçámo-nos tanto que começo a sentir-me pequena para o tamanho do amor que carrego quando lhe pego. As cavalitas do papá sempre te aguentam o amor mais ao alto. Eu encolho com o homem que cresce.
Rebolámos na areia, no chão, na relva e na cama. Lambemos gelados e labusámo-nos com chupa-chupas. Fiz dezenas de bolas de chiclete para serem arrebentadas. Fui num carro de bebé pelo meu próprio filho, em plena cidade de Madrid, e tive de lhe tentar explicar, em pleno museu Rainha Sofia, porque é que os desenhos de Miró são tão parecidos com os dele.
Foram horas maravilhosas as que tivemos só para nós os três. Ver um filho emergir no mar e amá-lo assim, num olhar. O prazer de o embrulhar na toalha, fazendo de conta que vai ao forno, ou fazê-lo voar na água. Alinhar as sobrancelhas que o mergulho despenteou. Ouvi-lo chamar-me, enquanto apreciávamos a noite com um gelado, para aos pulos me dizer "uma fala": "Mamã, preciso de uma nave espacial para ir buscar uma estrela para a pôr no mar". Simplesmente genial. Ou ainda melhor como naquelas tardes em que os búzios iam desaparecendo das minhas mãos com perninhas...ele sai-se com esta:
- "Mamã, há pouco vi uma delicia do mar !"
Delícia, sim aquela que gravo da perplexidade com que o ouvi.
Um filho são estes momentos e tantos outros, instantes de ir às lágrimas de surpresa e de certeza de saber não haver segunda volta para esta vida. Ele com 3, eu com 30 e o pedro com 33. Os anos da nossa vida com Salvador D'amore, como lhe fomos chamando ao longo da estada em Itália.
Tudo com ele é a crescer: o amor que o gerou, o amor que se multiplica nele, a cabeça que se vai enchendo de desejos, de vontades e de um modo especial de sentir que vamos reparando. Nele connosco há um espaço vital. Dentro de nós por ele o universo.
Desde o dia em que o Salvador nasceu que é como se o coração de cada um de nós se passeasse, todos os dias, fora do peito.
A satisfação de o saber de felicidade fácil. Uma pá, uma corrida ou um jogo de palavras que rimam. De ver o seu sono tranquilo, a sua pele morena ao espelho a fazer de conta que se penteia como eu. São as delícias de amar!

Comentários

  1. As tuas palavras sao mesmo reconfortantes para quem aspira a maternidade...ultimamente só ouço maes que se queixam de tudo e mais alguma coisa... da falta de tempo, das depressoes, do corpo, da falta de sono... enfim...
    Eu só vejo amor, que é a coisa que mais prezo no mundo... mas de seguida levo logo com um "tu depois vês!!" :)

    Bjs aos três,
    mesmo longe continuo a ler-te e a ver o Salvador crescer
    keep going

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